segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A “espetacularização”

O neologismo que titula estas linhas tem por objetivo expor um fenômeno que se observa crescente, e que pela própria palavra se intuí: o absurdo mundo de espetáculos em que vivemos.
Ao observarmos os movimentos à nossa volta ressoa gritante o número enorme de festas, shows, espetáculos, sejam públicos ou mesmo em círculos mais restritos, como a família e vizinhos, amigos...
Soma-se a isto o desejo pelo novo, uma busca sem fim pela novidade, por aquilo que é inédito, o “diferente”.
Certa vez, aos 12 anos cheguei a uma conclusão sobre a vida e que de fato, ainda hoje se revela verdadeira: As pessoas orientam suas ações para duas finalidades: o poder e publicidade; sentir-se poderoso e conhecido parece estar enraizado no querer humano.
Hoje tudo é tratado como um espetáculo, tudo deve ser calculado e planejado para se obtenha o máximo de destaque, que chame a atenção e que as pessoas comentem dizendo de preferência “como a festa de ontem foi maravilhosa” ou como aquele “show de ontem foi bom”, “como aquela missa (ou culto) foi boa” sempre no dia seguinte, pois, de fato dois dias depois já se esqueceu, e aí temos outro evento, e outro amanhã, e mais outro sucessivamente.
Tudo parece diversão. Mas não é.
Nesta esteira, observamos que as redes sociais facilitam esse diagnóstico: Uma sociedade em que as pessoas precisam compartilhar com o mundo inteiro o que vão comer no almoço, com quem estão, com que roupam vão a determinado local, isso para não falar as bizarrices que nos aparecem, não pode estar bem.
O espetáculo das fotos íntimas, da “sensualização”, da ostentação do próprio corpo, como um espetáculo a ser contemplado por quem quiser (as “caveiras bem vestidas” [1]), dos milhares de “amigos” “seguidores”
É notório o mal que este estado de coisas, que no fundo é apenas uma tentativa de fuga de si mesmo, tem nos causado: cria-se uma mentalidade do espetáculo!
Segundo está mentalidade tudo deve ser orientado para este propósito: chamar para si a atenção dos demais (obter elogios, comentários e etc.), e coisas das mais bucólicas podem se tornar instrumento de vaidade, ou frustração.
É a busca do preencher-se, uma tentativa em vão de suprir o vazio existencial humano, fugir das questões fundamentais que parecem sem solução (qual o sentido de nossa vida? por exemplo), é a dificuldade de lidar consigo mesmo que impele as pessoas a estarem sempre fora de si. O medo da solidão não é o de estar sozinho, mas é o de estar consigo mesmo.
Com vênia aos descrentes, para o cristão a raiz de tudo isso está na ilusão da serpente “sereis como deuses”, e infelizmente continuamos a fugir do criador e ouvir a serpente, nos iludimos com a falsa promessa e ignoramos a miséria que somos.
Varremos para baixo do tapete a sujeira incômoda que o estar conosco mesmo nos revela. Criamos espetáculos externos para ocultar cada vez mais nosso interior, vamos assim nos espetacularizando numa constante fuga de nós mesmos, somos cada vez mais para fora e cada vez menos de nós mesmos, cada vez mais nos deparamos com personagens e cada vez menos personalidades.

Luis Carlos Vieira da Silva


[1] Padre António Vieira, Sermão do Demônio Mudo (1651), § XI. In: Literatura Brasileira, UFSC.